Artigo – Migalhas – Mediação nos conflitos contratuais durante a crise pandêmica – Flavio Goldberg e Lucas Vila

Mediação

Vivemos tempos difíceis em que a boa-fé, razoabilidade e vontade de conciliar, se torna medida efetiva na contenção de danos de natureza econômica e cívica.

Urge destacar que no atual momento de crise sanitária que vivemos pela proliferação do covid-19 que se reflete em uma debandada econômica jamais vista, há de se destacar o número expressivo de descumprimento de contratos e dívidas, o que está ocasionando diversas diferenciações nas sentenças proferidas, não havendo um senso comum, ficando à deriva do acaso a judicialização dos conflitos.

Como é notório, por conta do estado de calamidade reconhecido pelo decreto legislativo 6, de 20 de março de 2020 e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrentes do covid-19, a caracterizar força maior, e seus efeitos negativos concretos na economia, casos em que se utilizam os termos do artigo 305 e seguintes do Código de Processo Civil, no que tange a tutela antecipada, como forma de salvaguarda da manutenção individual de garantia mínima financeira é crescente a necessidade de soluções criativas.

Diante da absoluta imprevisibilidade dos fatos recentes que acarretaram a suspensão indefinida das atividades profissionais de autônomos e microempresas, trazendo a triste impossibilidade de arcarem na íntegra com o formato de normalidade que se deve as questões contratuais antes da pandemia.

A Mediação e as diversas alternativas extrajudiciais de conflitos se tornaram mais do que vantajosas, mas de extrema necessidade para se manter a ordem econômica, visando a solução da problemática atual da melhor maneira possível aos fornecedores, contratados e dezenas de famílias que dependem de sua saúde financeira para seu sustento.

Não se trata apenas de vantagem de ordem a transitar com maior fluidez processual, mas o interesse na mediação de conflito, para muitos casos é a única forma acessível para a resolução da lide.

Diversas são as decisões em todo o âmbito do Judiciário que refletem o impasse em que vivemos, um evento extraordinário, de amplitude global, inevitável e imprevisível que deve ser combatido com o diálogo, a boa fé e o entendimento eis que se não houver maior consenso entre as partes conflitantes o resultado será catastrófico no sentido da séria repercussão negativa na subsistência de empresas e famílias.

O Judiciário é unânime ao decretar a situação única e que movidos pela sensibilidade transitória, devemos ter nesse momento para acalmar a sociedade como um todo, exemplos não faltam: a portaria 188 do Ministério da Saúde declarou estado de calamidade pública por conta da pandemia covid-19. O Estado de São Paulo, por meio do decreto 64.881 também nesse mesmo sentido decretou quarentena em todo o território da unidade da federação de maneira excepcional, assim como Conselho Nacional de Justiça se manifestou nesse sentido com a recomendação que garante a importância do plano de recuperação, com medidas para que os Juízos considerem a ocorrência de força maior ou de caso fortuito.

Evidencia-se a ocorrência de força maior, tornando imprescindível a tomada de soluções alternativas para relativizar um mal maior no plano de recuperação econômica.

Credores já estão tendo suas dívidas suspensas e renegociadas com o entusiasmo vindo dos próprios magistrados, ajustes e novos planejamentos devem servir de base para iniciar a negociação em âmbito mediador, um exemplo são os inúmeros casos de protestos que estão sendo encaminhados, medida que, na excepcionalíssima situação, se mostra absolutamente arbitrária, demonstrando inexplicável falta de sensibilidade a tudo o que está acontecendo no país.

O artigo 393 do Código Civil estabelece que o devedor não responderá pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado e, complementarmente, o parágrafo único traz a previsão de que este instituto somente é aplicável se os efeitos dele decorrentes forem imprevisíveis e inevitáveis. Obviamente os credores não podem ser prejudicados, o que também demandaria uma descompensação na ordem econômica, não restando alternativa mais sensata do que a conciliação.

Oportuno destacar que em 2010, quando da epidemia de H1N1, houve entendimento dos tribunais brasileiros de que o evento se inseriu como sendo, nos termos do ordenamento jurídico pátrio, de força maior.

Diante disso, a mediação de conflitos, seja na seara contratual, consumerista ou de demais naturezas é medida que se impõe, diante do excepcionalíssimo momento em que se encontra a sociedade, em privilégio à boa-fé contratual, manutenção de empregos, princípios da preservação da empresa e da fonte produtora de serviços e mercadorias, como forma da mais lídima justiça. 

Vivemos tempos difíceis em que a boa-fé, razoabilidade e vontade de conciliar, se torna medida efetiva na contenção de danos de natureza econômica e cívica, a mediação que já era vista como nova ferramenta em busca da pacífica Justiça, hoje se torna fundamental alternativa para novos tempos.

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*Flavio Goldberg é advogado e mestre em Direito. Sócio do escritório Flavio Goldberg Advogados.

*Lucas Vila é advogado do escritório Flavio Goldberg Advogados.

Fonte: Migalhas

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