Brumadinho: após tragédia, falta de registros de imóveis virou problema

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Com mais de 100 núcleos urbanos informais, Brumadinho, na Grande BH, acelera o registro de imóveis, inclusive das famílias atingidas pelo rompimento da barragem em 25 de janeiro

Além do sofrimento causado pela tragédia da barragem da Mina do Córrego do Feijão, da Vale, que completou seis meses no dia 25, deixando 248 mortos e 22 desaparecidos, Brumadinho, na Grande BH, enfrenta sérios problemas gerados pela falta de documentação legal dos imóveis urbanos.

O município tem mais de 100 núcleos urbanos informais, com parcelamento irregular, segundo a oficial de registro de imóveis da cidade, Keziah Alessandra Vianna Silva Pinto.

Conforme o Estado de Minas revelou no domingo, estimativas do Ministério do Desenvolvimento Regional apontam que 30 milhões dos 60 milhões de imóveis urbanos do país não têm escritura – incluindo 3 milhões em Minas, segundo levantamento do Colégio Registral Imobiliário de Minas Gerais (Cori-MG).

Para facilitar a legalização das propriedades de pessoas de baixa renda, foi promulgada a Lei Federal 13.465/17, a chamada Lei Reurb (Regularização Fundiária Urbana), que também abrange a questão de interesse social (Reurb-S),

A Secretaria de Planejamento de Brumadinho está fazendo a regularização fundiária, algumas resultantes de termos de ajustamento de conduta (TAC) firmados com o Ministério Público ou decorrentes de sentença judicial, mediante ação civil pública. Pelo Reurb-S foram regularizadas 76 unidades na antiga fazenda Santa Cruz, atual Bairro Conceição de Itaguá, uma área de 87 mil metros quadrados.

“As maiores vantagens são para os legitimados, por possuir documentos oficiais registrados em cartório que acessem financiamentos bancários mais baratos e facilidades de transmissão por vendas ou doações. Os herdeiros têm garantidos seus direitos sucessórios de herança”, avalia Adilson Sales Silva, um dos herdeiros dos antigos proprietários da fazenda e responsável pelo empreendimento.

“Vantagem para o empreendedor, correção de um ato ilegal, função que gera tranquilidade na comunidade que convive e trabalha”, completa.

A oficial do cartório de registro de imóveis diz não ter informações sobre a quantidade de moradores da cidade que tiveram seus terrenos devastados pela lama de rejeitos de minério que vazou da barragem e que perderam até os documentos dos imóveis. Mas orienta que é possível reaver documentos nos cartórios onde foram retirados originalmente ou pelo site www.crimg.com.br.

As famílias dos distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, que tiveram suas propriedades destruídas pela lama de rejeitos minerais da Mina do Fundão, da Samarco, em Mariana, em 5 de novembro de 2015, ainda aguardam a documentação dos imóveis que receberão como indenização. Bento Rodrigues será reconstruído em outra área, de 398 hectares, na localidade de Lavoura. O terreno escolhido pelas famílias pertencia à empresa Arcelor Mittal.

A oficiala do cartório de registro de imóveis de Mariana, Ana Cristina Maia, informa que o novo distrito terá 309 lotes. Segundo ele, a Fundação Renova, responsável pelas indenizações, entregará as escrituras quando as casas estiveram concluídas, até julho de 2020.

Já o reassentamento dos desabrigados de Paracatu de Baixo será erguido em área de 406 hectares, na localidade de Lucila, a quatro quilômetros do antigo povoado. A construção ainda não começou porque ainda depende de aprovação da Prefeitura de Mariana. A entrega das escrituras também estaria condicionada à conclusão das moradias.

NOVAS CASAS

Já a Fundação Renova informou que serão  reassentadas 255 famílias em Bento Rodrigues e 140 em Paracatu de Baixo. As escrituras dos lotes de Bento Rodrigues foram emitidas em nome da fundação e assim que as casas forem concluídas será concedida a escritura para a família.

Segundo a entidade, os  residenciais de Paracatu estão em processo de delimitação para início da escrituração, informou a entidade. A fundação informou também que começou ontem a construção das casas em Bento Rodrigues e da infraestrutura do reassentamento de Paracatu de Baixo.

“Os  reassentamentos seguem as diretrizes de reparação, construídas conjuntamente com as comissões de atingidos e sua assessoria técnica, com a validação e monitoramento do Ministério Público Estadual. Essas orientações têm como objetivos principais a garantia de restituição do direito à moradia adequada, a retomada das atividades produtivas, a aproximação dos modos de vida e o acesso aos bens coletivos da comunidade”, afirmou a Renova.

Perdas econômicas e sociais

Desvalorização e falta de ganho real, com comercialização abaixo dos preços de mercados, e risco de os proprietários perderem o patrimônio mediante violência. Essas são as consequências da falta de documentação dos imóveis urbanos no país, na avaliação de Adriano Manetta, vice-presidente da área de Loteadora da Câmara do Mercado Imobiliário (CMI) e do Sindicato das Empresas do Mercado Imobiliário de Minas Gerais (Sicovi-MG).

“As pessoas sem registro dos imóveis têm o seu acesso a crédito reduzido, não podem dar o imóvel em garantia. Mais do que isso, investem no imóvel e ele não se torna patrimônio da família justamente por ser irregular. Muitas vezes o imóvel irregular é tomado dos seus moradores com violência ou vendido por um preço muito inferior ao que teria se fosse regularizado”, avalia Manetta.

Segundo ele, “acabar com a informalidade” é um dos maiores desafios do setor imobiliário. “Há todo um mercado informal que não cria ganho real, não gera impostos, não gira o mercado formal, não consegue trazer segurança para as pessoas e traz altos custos para o poder público sem um ganho real em termos de qualidade de vida para a população.”

“O modelo brasileiro oficial de moradia para baixa renda foi e ainda é a favelização, com todos os problemas que este modelo traz. A Lei da Reurb foi um primeiro e importante passo para mudança desse modelo. A expectativa é que muitas pessoas possam sair da situação de irregularidade e entrar com seus imóveis no mercado formal”, afirma.

ECONOMIA

O empresário salienta ainda que a expectativa é que a facilitação da regularização no cartório gere impactos positivos para a economia. “Quando um imóvel sai da informalidade e é regularizado, passa a gerar emprego, renda, tributos e um ciclo econômico virtuoso para o proprietário”, avalia Manetta.

“Espera-se que com a Reurb possa ser construído novo modelo de ocupação para baixa renda no país, mais humano e com custos de implantação condizentes com a realidade financeira desse público, que passou os últimos 40 anos à margem do mercado formal, com exceção do programa Minha casa, minha vida, de abrangência limitada”.

Impacto no planejamento urbano

A situação irregular de imóveis prejudica o planejamento urbano, afeta outros setores, como  transportes, diz a geógrafa Nádia Cristina dos Santos Sudário, secretária-executiva adjunta do Colégio Estadual de Representantes Institucionais (CRI) do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais (Crea-MG).

“Informalidade, ausência de planejamento, execuções irregulares de loteamentos, falta de fiscalização e especulações imobiliárias agravam a situação e o desenvolvimento das cidades, desfragmentando a malha urbana, o sistema viário, de transportes, da infraestrutura básica, causando prejuízos à qualidade de vida da população e ao direito à cidade, garantido a todos na Constituição Federal”, avalia.

“O planejamento urbano deveria ser premissa básica das cidades e não um gargalo afunilando-se a cada dia”, afirma Nádia, para quem a Regularização Fundiária de Interesse Social (Reurb-S) deve promover a integração social das pessoas de baixa, “melhorando as condições urbanísticas nos núcleos antes informais, inserindo esta população no direito social à moradia incluindo desde a formalização documental de cada unidade habitacional até a inserção de fato à cidade”.

Ela ressalta também que a legalização dos imóveis de baixa renda valorizará o setor imobiliário, ‘promovendo a eficiente ocupação do solo, sem segregação espacial e marginalizações urbanas. Ganha o setor imobiliário, ganha a população e minimiza-se os conflitos limítrofes e de posses indevidas”.

Fonte: Estado de Minas

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