“Os serviços extrajudiciais têm papel fundamental na sociedade”

Lemes

Em entrevista ao CNB/MG, o presidente do TJMG, desembargador Gilson Soares Lemes, fala sobre a nova conjuntura do Judiciário, em meio à pandemia, e sobre a atuação dos cartórios mineiros

Em julho deste ano, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) empossou o desembargador Gilson Soares Lemes como o novo presidente da Casa, eleito para o biênio 2020/2022. O início da nova gestão do TJMG é marcado pelo cenário de pandemia que assola todo o País e que impõe novos desafios ao Poder Público. Nesse sentido, questões como a democratização da Justiça e a necessidade de ampliar o uso da tecnologia na prestação de serviços jurisdicionais, fazem parte dos inevitáveis saltos que a Justiça precisa dar. Para apresentar essa nova conjuntura do Judiciário mineiro, o CNB/MG entrevistou o desembargador Gilson Soares Lemes.

O desembargador discorreu sobre as principais propostas da gestão, com destaque especial para o Programa Justiça Eficiente (Projef), que prevê a digitalização e a virtualização de cerca de 3,5 milhões de processos; e ressaltou o compromisso com a disseminação da conciliação e da mediação, mecanismos de extrema importância para diminuir a demanda de litígios que envolve o Poder Judiciário.

O magistrado falou, ainda, sobre a suspensão do trabalho presencial no TJMG de março a setembro deste ano, assinalando os bons resultados do Tribunal mineiro diante do novo contexto, e pontuou que as circunstâncias vêm “acelerando a revolução digital que os novos tempos exigem”.

O movimento de desjudicialização e o trabalho dos cartórios mineiros também foram abordados pelo desembargador.

Leia a íntegra da entrevista.

 CNB/MG – Como recebeu a escolha de seu nome para a presidência do TJMG?

 Gilson Soares Lemes: Recebi com muita honra a escolha do meu nome para assumir a Presidência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o segundo tribunal estadual de maior porte do País. Como superintendente administrativo adjunto da gestão do presidente Nelson Missias de Morais, meu antecessor, atuei como um braço executivo da Presidência, tendo a oportunidade ímpar e profundamente enriquecedora de participar na linha de frente de uma administração que se revelou muito bem-sucedida. Pude vivenciar na prática como podemos, efetivamente, atuar para aperfeiçoar o Judiciário mineiro, tornando-o mais célere e eficaz.  Não só surgiu então o desejo de dar continuidade às iniciativas de sucesso, amparado pela sólida experiência vivenciada até ali, mas também de ir além, pois ainda há muito a ser feito. Os desafios são imensos e diários, mas eles me motivam, e sei que posso contar com um contingente de magistrados e servidores qualificados e comprometidos, dispostos a seguir conosco nessa caminhada.

CNB/MG – Quais são as principais propostas e projetos de gestão para o biênio 2020-2021?

Gilson Soares Lemes: Lançamos a iniciativa ambiciosa, o Programa Justiça Eficiente (Projef), ainda em meus primeiros dias como presidente da Corte mineira. Fazem parte do Projef, 15 ações estratégicas com metas que, juntas, pretendem aperfeiçoar o Judiciário mineiro. Uma das metas prevê a digitalização e a virtualização de cerca de 3,5 milhões de processos, que hoje são físicos, para que 100% dos feitos no Judiciário mineiro estejam tramitando eletronicamente até o final da gestão. Entre outras metas dentro desse grande programa, figuram ainda, a implantação do PJe criminal em todas as comarcas mineiras; o estímulo às práticas autocompositivas, com a instalação de Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs) nas 297 comarcas de Minas; a realização de mutirões diversos – de solução adequada dos conflitos de interesse, para prolação de sentenças em processos físicos, de baixa de processos e para realização de sessões do Tribunal do Júri –; a ampliação e o aperfeiçoamento de iniciativas bem-sucedidas da gestão anterior, o Projeto Pontualidade e o Projeto Execução Fiscal Eficiente; a cooperação recíproca entre magistrados; intervenções localizadas para alinhamento da gestão das unidades judiciárias; a uniformização da gestão administrativa e da governança judiciária das Primeira e Segunda Instâncias do TJMG; o incremento dos serviços notarias e de registro prestados ao cidadão; e a especialização de unidades judiciárias. Tudo isso, sem prejuízo de outras medidas que venham a contribuir com o alcance dos macrodesafios estabelecidos pelo CNJ.

CNB/MG – Quais são as perspectivas em relação ao avanço dos mecanismos de conciliação e mediação?

Gilson Soares Lemes: O Poder Judiciário precisa contribuir para uma mudança de paradigma, de maneira a tornar nossa sociedade menos litigante e mais disposta a construir, pelo diálogo, a solução para seus conflitos, de maneira autônoma, para uma verdadeira pacificação social. Os cidadãos brasileiros devem assumir esse protagonismo, com maturidade. Em Minas Gerais, estamos assistindo a um importante impulsionamento das práticas da conciliação e da mediação. Centros Judiciário de Solução de conflitos e Cidadania (Cejusc) estão sendo instalados nas diversas comarcas mineiras – já são mais de 200 unidades no estado – e estabelecemos, como meta no Projef, que todas elas possam contar com essas unidades, até o final da minha gestão. O Judiciário mineiro tem também atuado, como mediador, para o alcance de acordos históricos, chamando à mesa de negociações as partes e contribuindo para as soluções dos conflitos. Ainda nesta gestão, intermediamos, por exemplo, a celebração de acordo que definiu os parâmetros para a reabertura de bares e restaurantes durante a pandemia da Covid-19, na capital mineira. Outro importante avanço foi a instalação, em outubro último, do Cejusc Virtual, de forma a proporcionar aos jurisdicionados de todas as comarcas a autocomposição, mesmo àquelas que ainda não contam com uma unidade física do centro judiciário. Com a medida inovadora, as audiências poderão ser feitas à distância, por meio de videoconferência, simplificando os atos e democratizando o acesso aos métodos autocompositivos. São apenas alguns exemplos, mas que revelam nosso compromisso com a disseminação da conciliação e da mediação.

CNB/MG – Quais são os principais desafios para o Poder Judiciário na atualidade?

Gilson Soares Lemes: O acesso à Justiça é um direito fundamental do ser humano, sendo imprescindível para o combate às desigualdades, para o fortalecimento da democracia e da cidadania e, consequentemente, para a almejada paz social. Garantir esse acesso impõe ao Poder Judiciário do nosso País grandes desafios. A partir de uma ampla discussão, que envolve, em um processo participativo, toda a sociedade brasileira, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) define quais são os macrodesafios para o Poder Judiciário, repactuando-os anualmente. Um dos importantes alvos está em tornar a prestação jurisdicional mais célere e eficaz, pois sabemos que uma Justiça que tarda, falha. Mas, esse ponto esbarra em outro: de acordo com o Relatório Justiça em Números 2020, do CNJ, o Poder Judiciário brasileiro finalizou 2019 com 77,1 milhões de processos em tramitação. Essa sobrecarga de processos dificulta o trabalho do Judiciário. Por isso, para que os anseios de celeridade e qualidade na prestação jurisdicional sejam alcançados, um desafio que se impõe é o de rompermos com a cultura do litígio, incentivando a cultura do diálogo, por meio dos métodos consensuais. Além disso, o Poder Judiciário também precisa assumir sua responsabilidade para com a ressocialização daqueles que cometeram crimes, para com a economia de recursos naturais, dentro dos melhores preceitos de sustentabilidade, para a prevenção e o combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, para a garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes e para a prevenção e combate à corrupção. São aspectos estruturais da nossa sociedade e o Judiciário tem importante papel nesse sentido.

CNB/MG – O País enfrenta uma crise severa – agravada pela pandemia – que impacta diretamente todos os estados. Como o Judiciário mineiro está lidando com isso?

Gilson Soares Lemes: Estamos diante de crise histórica que, de acordo com o pensador israelense Yuval Noah Harari, é a maior já vivenciada por nossas gerações, tendo a pandemia da Covid-19 atingido diretamente, e de maneira trágica, milhares de famílias brasileiras, às quais somos solidários. No Judiciário mineiro, o coronavírus provocou desafios inéditos. As medidas de isolamento necessárias para prevenir a disseminação da doença exigiram a suspensão do trabalho presencial no TJMG, e de prazos processuais nos processos físicos. Mas o Tribunal mineiro estava preparado para isso. O PJe já se encontrava presente em todas as 297 comarcas mineiras, e isso permitiu que os prazos nos processos eletrônicos corressem normalmente. Permitiu ainda que um grande contingente de magistrados, servidores, colaboradores e estagiários pudessem, de suas casas, trabalhar remotamente. Registramos alta produtividade no período, o que reforçou nossa convicção de que nosso público interno é composto por pessoas comprometidas e com senso de dever público. Da suspensão das atividades presenciais, em meados de março, até o início do retorno de forma gradual, em 14 de setembro, foram mais de 32,5 milhões de atos processuais, com quase 1,5 milhões de decisões proferidas e cerca de 72 mil audiências realizadas. Mas a retomada do trabalho presencial, de forma gradual, era uma medida necessária. Criamos um grupo de trabalho para discutir o tema, ainda em meu primeiro dia como presidente, e, a partir de cuidadosa avaliação, pudemos retomar as atividades presenciais em meados de setembro, com a retomada também de prazos em milhões de processos. Desde que assumi a Presidência do TJMG, temos investido muito em tecnologia da informação, com a aquisição de licenças para permitir conexões remotas, e estamos em fase final de prova do uso da computação em nuvem para permitir o acesso via web a todo o ambiente de rede interna do TJMG, por exemplo. A aprendizagem tem sido rica, e, da crise, geramos oportunidades, acelerando a revolução digital que os novos tempos exigem.

CNB/MG – A experiência no Ministério Público contribui para a sua atuação no mais importante cargo da magistratura mineira?

Gilson Soares Lemes: Estou certo de que toda a trajetória profissional e acadêmica que construí ao longo dos anos, ao lado da minha biografia, e em contato permanente com tantos homens públicos qualificados, éticos e operosos, que conheci neste percurso, me ajudaram a moldar o magistrado e o gestor que hoje sou, com impactos inegáveis na minha atuação no comando do Judiciário mineiro. Fui promotor de Justiça por mais de cinco anos, ainda na década de 1990, por isso, o Ministério Público de Minas Gerais é uma instituição pela qual tenho um carinho especial. O Ministério Público desempenha um papel imprescindível como guardião que é da defesa de tantos interesses coletivos, difusos e indisponíveis da nossa sociedade. Minha passagem por essa instituição fortaleceu em mim o senso de cidadania, o compromisso com o dever público e a essencialidade do regime democrático de Direito. Sabemos que o Brasil e o mundo vivem, nos últimos anos, um momento econômico e político delicado, ao qual veio se somar uma crise histórica sem precedentes, provocada pela pandemia da Covid-19. Trata-se de um contexto desafiador, que tem exigido das instituições públicas a busca por respostas rápidas que possam garantir os direitos fundamentais aos cidadãos mineiros. O TJMG e o Ministério Público são parceiros em diversas iniciativas e outras mais virão, pois temos o objetivo comum de fortalecermos o sistema de justiça brasileiro, em prol de uma sociedade melhor e mais justa. O momento exige de nós, mais que nunca, diálogo permanente, harmonia, muito trabalho e união.

CNB/MG – O Poder Judiciário do Brasil lida com uma enorme demanda de litígios. Neste sentido, o movimento de desjudicialização mostra-se efetivo?

Gilson Soares Lemes: A desjudicialização é um movimento importante, pois toda medida que desafoga o Judiciário tem impacto na celeridade da prestação jurisdicional, beneficiando diretamente à sociedade brasileira. É importante que a via judicial seja a opção apenas quando os atos envolvam litígios, e sempre que a autocomposição não seja possível. Assim, os magistrados podem concentrar esforços nas questões mais complexas e singulares. Para o cidadão, a desjudicalização traz ainda a vantagem de tornar diversas ações mais ágeis, sendo uma forma a mais de garantir à população seus direitos, com a mesma eficácia e segurança jurídica.

CNB/MG – O Provimento n.100 do CNJ, permitiu a realização de diversos atos notariais feitos de forma eletrônica, por meio da plataforma e-Notariado. Qual a sua avaliação sobre essa mudança?

Gilson Soares Lemes: A tecnologia tem provocado uma verdadeira revolução nos mais diversos campos, de maneira acelerada, em um movimento sem retorno. Isso não é diferente quando se trata do Poder Judiciário e das atividades dos cartórios extrajudiciais, com sistemas, ferramentas e aplicativos diversos surgindo para oferecer mais celeridade, segurança e transparência a diversos atos, com importantes benefícios para o conjunto da sociedade brasileira. No caso específico do e-Notariado, há ainda o importante aspecto da facilidade e da praticidade que ele proporciona, sendo, dessa maneira, uma forma a mais de democratizar, agilizar e desburocratizar o acesso aos atos notariais, uma vez que a ferramenta está acessível a qualquer indivíduo que disponha de um computador ou de um celular. Trata-se, portanto, de mais um importante passo para a modernização dos serviços notariais no País, mas resguardando o mais importante: a fé pública dos tabelionatos.

CNB/MG – Qual a sua avaliação a respeito da prestação de serviços extrajudiciais em Minas Gerais?

Gilson Soares Lemes: Os serviços extrajudiciais têm papel fundamental na sociedade. Os eventos emblemáticos da vida de cada um de nós passam pelos cartórios extrajudiciais, sendo ali lavrados dos registros de nascimentos, que inauguram nossa vida civil e remetem às nossas origens, às certidões de casamento e de óbito, as escrituras de bens e procurações diversas, entre tantos outros documentos. Ao atestar a autenticidade de um documento, os cartórios atuam oferecendo segurança jurídica aos atos, além de exerceram um papel preventivo, evitando futuros conflitos e fraudes. Fundamental também é o importante trabalho de informação à sociedade que os tabeliães prestam às pessoas físicas e jurídicas sobre os diversos atos. Nos últimos anos, as serventias extrajudiciais têm passado por importantes avanços. Com a desjudicalização, os serviços executados ali ganharam ainda mais relevância, já que muitos atos, antes apenas possíveis pela via judicial, podem agora ser feitos nos cartórios extrajudiciais, de maneira desburocratizada, mais rápida e menos dispendiosa.  Por isso, os serviços extrajudiciais, que já exercem função social crucial em nossa sociedade, tendem a ganhar um novo espaço, contribuindo ainda mais para o fortalecimento da cidadania e para o bem comum.

Fonte: Assessoria de Imprensa CNB/MG