Artigo – As alterações da nova Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência – Por Fabiana Marques Lima

Martelo Da Justiça 14

No último dia 25 de novembro, o Senado Federal aprovou o PL nº 4.458/2020, trazendo relevantes alterações na atual Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência – Lei nº 11.1101/05.

Desde o início, o objetivo do projeto sempre foi a modernização da legislação vigente. O intuito era, de um lado, maximizar a proteção da atividade empresarial, conferindo maior proteção e segurança jurídica para que empresas viáveis – que, afinal, enfrentam o maior e mais longo período de recessão do País desde 2015 – conseguissem alcançar o almejado soerguimento econômico-financeiro e, por conseguinte, aumentar a produtividade da economia, e de outro, sanar questões que se configuravam como verdadeiras lacunas na Lei nº 11.101/2005, definindo conceitos antes não previstos, revendo temas que se tornaram obsoletos e incorporando orientações, doutrinárias e jurisprudenciais, que foram sedimentadas com a aplicação da lei.

Com a crise econômica instaurada pela Pandemia do Covid-19, o projeto de alteração da Lei nº 11.101/2005, que tramitava há anos no Congresso Nacional e já era prioridade no âmbito do Poder Legislativo, passou a ser visto como uma medida urgente para socorro ao empresário em crise e, por isso, acredita-se que não haverá demora na sanção presencial.

Dentre as mudanças previstas no PL, encontra-se o incentivo ao uso da conciliação e da mediação, com a possibilidade de suspensão das execuções ajuizadas contra a sociedade empresária pelo prazo de 60 dias; inclusão, como meios de recuperação judicial, da conversão da dívida em capital social e da venda integral da empresa – mecanismos antes já utilizados, mas sem previsão específica; ampliação do pagamento dos créditos trabalhistas para 2 anos, desde que com a devida aprovação em Assembleia Geral de Credores; regulamentação da ausência de sucessão ao adquirente de bens e da consolidação substancial e processual de grupos societários; inclusão dos produtores rurais como sujeitos aptos a requererem a proteção da lei; dispensa ao devedor de pagar imposto de renda e contribuição social sobre lucro líquido em caso de ganho de capital derivado de alienações de bens – tema de grande debate na atual legislação; insolvência transnacional e maior agilidade no encerramento do processo de falência.

Sem pretensão de esgotar o tema, é inegável o aperfeiçoamento do instituto da recuperação extrajudicial. Houve a incorporação de créditos trabalhistas e por acidente de trabalho, desde que existente negociação coletiva com o sindicato da respectiva categoria profissional, a alteração do quórum mínimo necessário para requerer a homologação do plano de recuperação extrajudicial e a regulamentação do prazo de suspensão das execuções por 180 (cento e oitenta) dias – antes, previsto somente para processos de recuperação judicial. Essas modificações, certamente, estimularão o uso dessa modalidade de restruturação, seja por ser uma alternativa menos custosa se comparada ao processo de recuperação judicial, seja porque se trata de um procedimento mais simples, rápido e eficiente.

No que tange ao processo de recuperação judicial propriamente dito, houve ajustes procedimentais com o objetivo de desburocratizar e conferir maior celeridade ao procedimento, destacando-se, a possibilidade de constatação prévia quanto às condições da sociedade empresária, deliberações por meio virtual, substituição da assembleia geral de credores por termo de adesão ou por outros mecanismos reputados seguros pelo juiz da causa, encerramento da recuperação judicial antes da homologação do quadro geral de credores, prorrogação do stay period, com critérios fixados em lei, e elaboração de plano de recuperação judicial pelos próprios credores.

Uma importante inovação é a regulamentação do financiamento ao empresário ou à sociedade empresária durante o processo de recuperação judicial (Dip Financing – Debtor in Possession Financing). A Lei nº 11.101/2005 não prevê regras para a celebração de contratos de empréstimo, o que causa verdadeira insegurança jurídica aos financiadores e dificulta sobremaneira a obtenção de novos recursos no mercado, principalmente junto a instituições financeiras. As novas disposições, no entanto, conferem maior confiança a possíveis investidores, especialmente porque permitem que o devedor faça contratos de empréstimo utilizando bens pessoais como garantia e ainda alteram a ordem de pagamento aos credores, dando preferência para os créditos derivados do Dip Financing.

Apesar das significativas mudanças, que, certamente, tornarão os processos mais céleres e provocarão impactos positivos na economia, muitos especialistas e estudiosos na área defendem que a nova legislação causará efeitos contrários às razões que ensejaram a reforma da atual Lei nº 11.101/2005, pois tornam dificultosa a obtenção de recursos financeiros; impedem a alienação de ativos, essenciais para a recomposição do fluxo de caixa das empresas; concedem ao Fisco uma participação desenfreada, colocando-o, inclusive, em uma posição de hold up; e não resolve problemas antigos, como o privilégio concedido aos créditos bancários, a famigerada discussão em torno da trava bancária e toda a controvérsia existente em torno liberação dos coobrigados em geral.

As mudanças ainda estão longe do ideal, mas sugerem significativa modernização na legislação, adaptando-a à nova realidade econômico-social do País, atendendo aos anseios da comunidade jurídica e dos agentes econômicos, e consolidando entendimentos jurisprudenciais e doutrinários construídos nos últimos 15 (quinze) anos de vigência da Lei.

Com a aprovação pelo Senado Federal, aguardar-se-á a sanção do texto pelo presidente da República.

*Fabiana Marques Lima é sócia do Moraes & Savaget Advogados

Fonte: Estadão