Artigo – Migalhas – Recuperação judicial em época de pandemia – Por Juliana Reis da Silva

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Pelo menos 600 mil micro e pequenas empresas fecharam as portas e 9 milhões de funcionários foram demitidos em razão dos efeitos econômicos da pandemia do novo coronavírus

A pandemia do covid-19 vem causando impactos desfavoráveis na economia do Brasil e do mundo, colaborando para que uma nova crise monetária se instaure no país na medida em que a doença avança pelo território nacional.

O distanciamento social e o grande número de pessoas afetadas com a pandemia causou consequências diretas nas empresas. Pelo menos 600 mil micro e pequenas empresas fecharam as portas e 9 milhões de funcionários foram demitidos em razão dos efeitos econômicos da pandemia do novo coronavírus. É o que mostra levantamento feito pelo Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às micro e pequenas empresas).1

Diante dessa fatídica realidade inúmeras empresas se viram obrigadas a recorrer ao instituto da recuperação judicial previsto na lei 11.101/05 no intuito de minimizar seus prejuízos e dos seus credores.

É evidente que as empresas que se encontram em recuperação judicial vivem uma situação completamente diferente daquelas que mantêm uma operação regular, razão pela qual, no atual cenário, precisam de medidas ainda mais diferenciadas.

Consoante prescreve o artigo 47 da lei 11.101/05, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, “A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

Com o fito de tornar viável o cumprimento deste objetivo, a Câmara dos Deputados aprovou, no dia 21 de maio deste ano, o projeto de lei 1.397/202, que visa instituir medidas de caráter emergencial para prevenir a crise econômico-financeira de agentes econômicos e alterar temporariamente o regime jurídico da recuperação judicial, extrajudicial e da falência, regidos pela lei 11.101 de 9 de fevereiro de 2005.

Dentre as principais medidas previstas no referido projeto de lei estão: 1) a suspensão, por 90 dias, de todas as obrigações estabelecidas no plano de recuperação judicial já homologado, prazo este em que a empresa recuperanda poderá apresentar aditivo, inclusive para sujeitar créditos constituídos após o pedido de recuperação judicial, o qual estará sujeito à aprovação da assembleia geral de credores; 2) a alteração do valor mínimo do crédito vencido e inadimplido para fins de decretação de falência, passando de 40 salários mínimos para R$ 100.000,00 (cem mil reais).

O projeto de lei institui, até o dia 31 de dezembro de 2020, medidas que visam a prevenir a insolvência do agente econômico e que modificam os regimes jurídicos da recuperação judicial, da recuperação extrajudicial e da falência. É evidente que as empresas que tiveram seus planos de recuperação judicial aprovados dificilmente conseguirão honrar com os pagamentos previstos.

Ocorre que o referido projeto de lei tramita desde 27 de maio no Senado, mas passados 7 meses de crise econômica ainda não há previsão de ser votado em plenário. Isso significa que o projeto de lei criado para socorrer e preservar as empresas em dificuldades momentâneas perderam o objeto, visto que essas alterações demandam urgência para serem úteis no contexto da recuperação judicial na pandemia.

Imperioso destacar que o CNJ – Conselho Nacional de Justiça instituiu em 31/3/20 a recomendação 63, que visa orientar os Juízos com competência para o julgamento de ações de recuperação empresarial e falência a adoção de medidas para a mitigação do impacto decorrente das medidas de combate à contaminação pelo novo coronavírus.

Nessa linha de raciocínio manifestou-se o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão, ao comentar o cenário macroeconômico em meio à pandemia do novo coronavírus: “O Judiciário precisa de ferramentas para enfrentar a realidade econômica após a pandemia. Estima-se que 70% das empresas vão sofrer algum tipo de dificuldade. É um abalo sem precedentes para a economia mundial”.3

Nesse sentido muitos juízes, mesmo sem lei vigente que assim determine, já têm deferido pedidos de dilação de prazo para apresentação do plano de recuperação judicial e até mesmo a suspensão temporária do cumprimento de obrigações previstas no plano de recuperação judicial já homologado, com a consequente concessão de prazo para apresentação de aditivo e soluções alternativas de adimplemento do plano em vigor. Vejamos:

Agravo de instrumento. Direito Empresarial. pandemia covid-19. Recuperação Judicial. Pedido de suspensão temporária da exigibilidade das  obrigações previstas no plano de recuperação judicial que não pode ser apreciado pelo Poder Judiciário. Análise de pedido de alteração do plano que deve ser submetido ao crivo da Assembleia Geral de Credores. Impactos da pandemia de Covid-19 que devem ser analisados casuisticamente. Decisão mantida. Agravo desprovido. (TJ/SP – AI: 21222934020208260000 SP 2122293-40.2020.8.26.0000, relator: Pereira Calças, Data de Julgamento: 5/8/20, 1ª câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 13/8/20)

RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PLANO EM FASE DE CUMPRIMENTO. PANDEMIA CAUSADA PELO COVID-19. REDUÇÃO TEMPORÁRIA DAS PARCELAS AUTORIZADA PELO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO, COM DETERMINAÇÃO DE APRESENTAÇÃO DE PLANO MODIFICATIVO, PARA SALDAR A DIFERENÇA, EM ASSEMBLEIA DE CREDORES. AGRAVO DE CREDOR TRABALHISTA. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL QUE AUTORIZA A MEDIDA, ATÉ PORQUE CONDICIONADA A FORMA DE PAGAMENTO DA DIFERENÇA À APROVAÇÃO DOS CREDORES, EM  ASSEMBLEIA. ADMINISTRADOR E COMITÊ DE CREDORES QUE OPINARAM FAVORAVELMENTE. ADEMAIS, RECOMENDAÇÃO 63/20 DO CNJ APLICÁVEL. Sempre que a condição econômico-financeira do devedor passar por considerável e drástica mudança, é possível a alteração do plano antes aprovado, submetendo-se a nova forma de pagamento à aprovação dos credores. AGRAVO NÃO PROVIDO. (TJ/SC – AI: 40052258920208240000 Itajaí 4005225-89.2020.8.24.0000, Relator: Gilberto Gomes de Oliveira, Data de Julgamento: 24/9/20, 3ª câmara de Direito Comercial)

Assim, dada a gravidade da crise já instalada a nível mundial, é extremamente necessário que, além da tomada de medidas pelo Governo que visam minimizar os impactos – tanto do ponto de vista econômico, como com relação à saúde pública – sejam concedidas medidas de segurança e proteção jurídica às sociedades empresárias que, correm o risco de enfrentar um verdadeiro colapso financeiro.

Entretanto, mesmo diante de todas as ponderações acima, é preciso apreciar se a pandemia é causa justificável para acarretar o descumprimento do plano atual. Os impactos da pandemia do covid-19 devem ser analisados casuisticamente, para que não haja benefício/prejuízo advindo da “desculpa da pandemia”.

Isso porque, ainda que a pandemia possa ser considerada como evento de força maior ou caso fortuito externo, a recuperação judicial é instituto concebido para permitir aos credores, mediante a análise da melhor satisfação do seu crédito, assegurar de forma mediata a preservação da atividade produtiva, seja conduzida pelo devedor ou, por meio da liquidação forçada falimentar, por diferente empresário arrematante dos bens.

Desta feita, cabe apreciar se é plausível ou não aditar o plano de recuperação judicial homologado antes da pandemia, visto que algumas atividades empresariais não tiveram redução no seu lucro, estando perfeitamente capaz de arcar com o acordo firmado anteriormente.

Nesse interim, resta evidenciado que o projeto de lei proposto na Câmara seria de grande valia, visto que o impacto causado pela pandemia da covid-19 afetou e ainda afeta inúmeras empresas, porém a democracia para votar o projeto causará prejuízos as empresas já que até o presente momento encontra-se pendente de análise pelo Senado.

De qualquer sorte o CNJ brilhantemente expediu a recomendação 63, com o fito de orientar o judiciário a adotar medidas excepcionais nas ações de recuperação empresarial e falência, haja vista o impacto decorrente das medidas de combate à contaminação pelo novo coronavírus. Medida esta que vem sendo acolhida pelos julgadores.

Neste sentido, independentemente da aprovação do referido Projeto de Lei, se faz necessária uma atuação célere e cautelosa do Poder Judiciário na análise dos pedidos de flexibilização das normas previstas na Lei de Recuperação Judicial.

Afinal, o processo de recuperação judicial deve se adaptar à atual condição de anormalidade ocasionada pela pandemia do coronavírus, estabelecendo segurança e estabilidade para que as empresas recuperandas desempenhem seu papel social mediante a consecução de suas atividades societárias.4

Assim, resta evidente que o instituto da recuperação judicial deve buscar a manutenção da atividade empresarial e dos empregos gerados, além do respeito aos interesses dos credores, mas o momento da economia é totalmente diferente de tudo que já se viveu na história. O Judiciário precisa de ferramentas para enfrentar a realidade econômica após a pandemia e mais do que tudo compreensão combinada a uma análise casuística mais aprofundada.

Fonte: Migalhas