A USUCAPIÃO DE IMÓVEL CUJO TITULAR REGISTRAL É FALECIDO

Herança

[i]Ana Clara Amaral Arantes Boczar

[ii]Carlos Rogério de Oliveira Londe

[iii]Daniela Bolivar Moreira Chagas

[iv]Letícia Franco Maculan Assumpção

 

INTRODUÇÃO

Situação comum nos registros de imóveis Brasil afora é a existência de registros e matrículas em nome de pessoa falecida, sem que haja qualquer informação a respeito do falecimento do proprietário tabular e, muito menos, de quem são seus herdeiros. Cumpre-nos tratar, neste breve artigo, do procedimento da usucapião nesses casos, na via judicial ou extrajudicial.

Falecido o titular registral, juízes e registradores de imóveis se vêem diante de um impasse sobre como realizar as citações ou notificações dos titulares de direitos reais imobiliários não registrados, sobre a quem encaminhar tais citações ou notificações e, por fim, sobre quando o edital pode ser utilizado. Por outro lado, sempre defendemos, com fundamento nos princípios da concentração dos atos na matrícula e da obrigatoriedade do registro, a necessidade de os adquirentes de direitos reais registrarem os títulos aquisitivos na matrícula por diversos motivos, inclusive e principalmente para dar publicidade à sua aquisição.

O presente artigo visa à apresentação de caminhos que viabilizem a solução, tanto na usucapião judicial quanto na extrajudicial, da citação ou notificação de herdeiros após o falecimento do titular registral.

OS PRINCÍPIOS REGISTRAIS DA CONCENTRAÇÃO DOS ATOS NA MATRÍCULA DO IMÓVEL E DA OBRIGATORIEDADE DO REGISTRO

A Lei Federal nº 13.097/2015 (conversão em lei da Medida Provisória nº 656/2014) alterou a Lei nº 7.433/85 e instituiu a concentração dos atos na matrícula do imóvel, objetivando dar maior segurança aos negócios imobiliários. A referida Lei estabeleceu que os atos jurídicos precedentes que não estiverem averbados ou registrados na matrícula do imóvel não poderão ser opostos a terceiros de boa-fé. As únicas ressalvas estão previstas no §1º do art. 54 da mencionada lei, consistindo: a) nos casos de alienação que são ineficazes em relação à massa falida (arts. 129 e 130 da Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005) e b) nas hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel.

Assim, excetuadas as hipóteses previstas no §1º do art. 54 da Lei nº 13.097/2015, os atos jurídicos que não estiverem averbados ou registrados na matrícula não poderão ser opostos àquele que, de boa-fé, adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel. É o que estabelecem os arts. 54 a 61, da Lei Federal nº 13.097/2015.

A exceção prevista no §1º do art. 54, alínea “b” do art. 54 da Lei Federal nº 13.097/2015 não pode servir de escudo para os adquirentes (herdeiros e legatários) nunca levarem sua aquisição a registro e ainda assim pretenderem ser protegidos pelo Sistema Registral que eles negligenciaram, principalmente nas usucapiões, judiciais ou extrajudiciais, em que o tempo e a posse ad usucapionem exercidos por alguma pessoa e não por todos os sucessores[1], evidenciam ainda mais a falta de interesse no imóvel.

O princípio da obrigatoriedade do registro está consagrado na Lei Federal nº 6.015/73 – Lei de Registros Públicos (LRP), que traz em seu art. 167 o rol dos atos que são obrigados ao registro. A lei não impõe sanções ou penalidades diretas à pessoa que deixa de registrar algum dos títulos, mas o prejuízo pela falta de diligência será sofrido pelo próprio titular que não promoveu o registro do seu título. Quem não observar o dever de registrar a aquisição do imóvel arcará com o ônus da sua omissão, não obtendo os benefícios do registro, ou seja, a autenticidade, segurança jurídica e eficácia do registro imobiliário, oponível contra terceiros.

O princípio da obrigatoriedade é aplicável também nas hipóteses em que a aquisição independe de título – como é o caso da transferência do imóvel aos sucessores quando da morte do proprietário -, situações nas quais o registro não possui efeito constitutivo, mas declaratório e publicitário.

A CITAÇÃO OU NOTIFICAÇÃO DE APENAS UM DOS HERDEIROS E, NÃO SENDO POSSÍVEL, O USO DO EDITAL

Uma solução foi encontrada pela Juíza titular da Vara de Registros Públicos de Belo Horizonte/MG para viabilizar as usucapiões nos casos em que o titular registral é falecido e não consta no registro ou na matrícula notícia sobre os sucessores. Abaixo reproduzimos a parte da decisão mais relevante para o presente estudo:

Caso o (s) proprietário (s) registral seja(m) falecido(s), juntar aos autos a certidão de óbito e de inventários e partilhas pela via extrajudicial https://censec.org.br, assim como as certidões judiciais.

Contudo, sobrevindo certidão negativa de inventário em curso, DETERMINO, em razão da regra do art. 1791 c/c 1314 do Código Civil, a abertura de vista à parte autora para identificar e qualificar ao menos um herdeiro, observando a regra do art. 616 do CPC.

Apontado o herdeiro na forma supra determinada, proceda-se à sua inclusão no polo passivo em substituição ao proprietário falecido, procedendo-se à sua citação pessoal, na qualidade de Administrador Provisório dos bens do falecido, ex vi art. 614 do Código de Processo Civil, para os termos da presente ação e para contestá-la, querendo, no prazo legal.

Comprovada, entretanto, a impossibilidade de qualificação e/ou citação, mesmo depois de lançado mão, se necessário, dos sistemas conveniados, cuja utilização defiro, desde já, independentemente de nova conclusão, o feito prosseguirá em face dos respectivos espólios e seus herdeiros desconhecidos, que deverão ser citados por edital, também procedendo-se às alterações no polo passivo do processo […].[2]

Sobre a impossibilidade de qualificação do titular registral ou de seus sucessores, mencionada na decisão acima, decorre da não observância do princípio da especialização subjetiva nas transcrições, que eram feitas sem rigor técnico, de forma que por vezes apenas o nome do adquirente constava no registro, sem nenhuma qualificação, sem número de identidade ou CPF, o que torna impossível identificar a pessoa, notadamente quando o nome é comum, como José da Silva, por exemplo.

A solução de, não sendo localizado inventário em nome do titular registral[3], ser identificado, qualificado e citado um herdeiro, encontrada pela Juíza da Vara de Registros Públicos da Capital, está de acordo com o art. 616 do CPC, que estabelece que tem legitimidade concorrente para o inventário o cônjuge ou companheiro supérstite, o herdeiro, dentre outros. A figura do administrador provisório está prevista nos arts. 613 e 614, do CPC, cabendo a ele representar ativa e passivamente o espólio.

Sugerimos que seja a mesma a solução quando, encontrado o inventário do titular registral, for verificado que o inventariante nomeado já faleceu. Também nessa hipótese a localização, se possível, de qualquer um dos herdeiros do titular registral seria suficiente.

A referida decisão também está amparada nos arts. 1.314 e 1.791, do Código Civil, que determinam que até a partilha, o direito dos co-herdeiros será regulado pelas normas relativas ao condomínio e que qualquer dos herdeiros poderá defender a sua posse. Assim, a citação de um dos co-herdeiros, se possível, é suficiente para o prosseguimento do feito.

A decisão acima reproduzida também encontra amparo nos princípios da concentração dos atos na matrícula do imóvel e da obrigatoriedade do registro. Se um herdeiro quer ser citado ou notificado para quaisquer ações ou procedimentos extrajudiciais envolvendo o imóvel, incluindo-se a usucapião, deve noticiar, no registro ou na matrícula do imóvel, o falecimento do titular e informar o nome e o endereço dos herdeiros e, ainda, a existência de inventário. O abandono do registro ou da matrícula demonstra a falta de interesse no imóvel, o que será confirmado pela cabal prova da posse exercida pelo requerente da usucapião.

A solução ora examinada viabiliza usucapiões sem prejudicar a segurança jurídica, razão pela qual deve ser exaltada e noticiada. Vale lembrar que a usucapião somente terá andamento se houver prova robusta da posse pelo tempo exigido em lei, haja vista ser a posse ad usucapionem o principal requisito de todas as modalidades de usucapião, razão pela qual a falta de citação ou notificação pessoal de sucessores não gera risco de violação de seus direitos. Como bem estabeleceu o Superior Tribunal de Justiça, “a concepção moderna do processo, como instrumento de realização da justiça, repudia o excesso de formalismo, que culmina por inviabilizá-la”’ (STJ, REsp 15.713-MG, 4a T., relator Min. Sálvio de Figueiredo, pub. DJU, 10.6.91, pág. 7.825).

O USO DA SOLUÇÃO ENCONTRADA PELA VRP-BH TAMBÉM NA VIA EXTRAJUDICIAL

A falta de menção na matrícula sobre o falecimento do titular registral e sobre a existência de herdeiros (e de quem são eles) vem criando uma situação de impasse que não pode permanecer. Assim, na mesma linha da mencionada decisão do Juízo da Vara de Registros Públicos de Belo Horizonte, defendemos que, não sendo possível localizar nenhum herdeiro, deverá ser utilizado o edital, tanto na usucapião judicial quanto na extrajudicial.

No procedimento extrajudicial da usucapião, a viabilidade do uso do edital é expressamente reconhecida, no art. 11 do Provimento nº 65 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Pela sua importância, reproduzimos a mencionada norma:

Art. 11. Infrutíferas as notificações mencionadas neste provimento, estando o notificando em lugar incerto, não sabido ou inacessível, o oficial de registro de imóveis certificará o ocorrido e promoverá a notificação por edital publicado, por duas vezes, em jornal local de grande circulação, pelo prazo de quinze dias cada um, interpretando o silêncio do notificando como concordância.

Parágrafo único. A notificação por edital poderá ser publicada em meio eletrônico, desde que o procedimento esteja regulamentado pelo tribunal.

Apesar de ser reconhecida a possibilidade do uso do edital pelo registrador de imóveis, nem o Código de Processo Civil – CPC, nem a Lei dos Registro Públicos, Lei nº 6.015/1973, e nem mesmo o Provimento 65/CNJ[4], definem quais as providências prévias que devem ser exigidas antes de ser utilizado o edital. Isso gera insegurança para alguns registradores e vem inviabilizando a usucapião, principalmente nos casos de posses antigas referentes a áreas, terrenos indivisos, que antes eram fazendas com diversos proprietários.

Explicamos: na redação atual do Provimento nº 65/CNJ, foi determinado que os titulares de direitos reais registrados na matrícula do imóvel usucapiendo deverão assinar a planta. Se a planta não estiver assinada por eles e não for apresentado documento autônomo de anuência expressa, eles serão notificados para que manifestem consentimento no prazo de quinze dias, considerando-se sua inércia como concordância (art. 10). Na hipótese de algum titular de direitos reais e de outros direitos registrados na matrícula ter falecido, os herdeiros legais poderão assinar a planta e o memorial descritivo, desde que apresentem a nomeação de inventariante (art. 12).

Ocorre que, na prática, principalmente no caso de posses antigas, é inviável localizar todos os herdeiros ou todos os inventários dos herdeiros dos titulares registrais, ainda mais na hipótese de imóveis que eram terrenos indivisos e envolviam famílias enormes. Observamos casos em que o titular registral já faleceu há mais de 50 (cinquenta) anos, os imóveis não foram inventariados, porque já tinham sido objeto de contrato em vida, e até hoje permanecem sem registro. Naquela época, as pessoas costumavam ter muitos filhos, sendo comum haver mais de 10 (dez) herdeiros. Além disso, o regime legal, até 27/12/1977[5],  era o da comunhão universal, razão pela qual a herança se comunicava também com os cônjuges desses herdeiros. As gerações naturalmente se seguem e, se o titular registral faleceu há 50 (cinquenta) anos, já pode ter até bisnetos. Ou seja, totalmente inviável localizar todos os herdeiros e até mesmo “herdeiros de herdeiros”.

Já observamos hipóteses em que o possuidor apresenta guias do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU na qual consta seu nome como contribuinte há mais de 30 (trinta) anos, mas não consegue usucapir o imóvel por não conseguir localizar os inúmeros herdeiros. Isso é um absurdo e é regra de hermenêutica que o absurdo deve ser afastado na interpretação do Direito, como já ensinava Carlos Maximiliano[6]:

Desde que a interpretação pelos processos tradicionais conduz à injustiça flagrante, incoerências do legislador, contradição consigo mesmo, impossibilidades ou absurdos, deve-se presumir que foram usadas expressões impróprias, inadequadas, e buscar um sentido eqüitativo, lógico e acorde com o sentir geral e o bem presente e futuro da comunidade. O intérprete não traduz em clara linguagem só o que o autor disse explícita e conscientemente; esforça-se por entender mais e melhor do que aquilo que se acha expresso, o que o autor inconscientemente estabeleceu, ou é de presumir ter querido instituir ou regular, e não haver feito nos devidos termos, por inadvertência, lapso, excessivo amor à concisão, impropriedade de vocábulos, conhecimento imperfeito de um instituto recente, ou por outro motivo semelhante.

No caso do procedimento da usucapião, não pode ser penalizada a pessoa que tem posse antiga; ao contrário, a Constituição determina que a posse antiga deve ser defendida: o possuidor não pode ser prejudicado simplesmente porque, pelo fato de exercer a posse por longo período de tempo, muitos falecimentos ocorreram após a morte do titular registral.

O Superior Tribunal de Justiça – STJ, em 1997, no REsp 32586/SP, Relator o Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA (DJ 24/03/1997, p. 9019), esclareceu que a citação que deve ser feita é a do titular do domínio do imóvel, conforme consta da matrícula, de modo que não há que se questionar de nulidade pela falta de citação de eventuais sucessores para a ação de usucapião, haja vista a inexistência de qualquer averbação no registro a respeito do falecimento daquele titular. No referido acórdão, entendeu-se ser suficiente a citação por edital, por cautela, de eventuais sucessores, com a nomeação de curador especial:

Ementa: PROCESSUAL CIVIL. USUCAPIÃO. NULIDADE DA SENTENÇA. AÇÃO DECLARATORIA. SUPOSTA FALTA DE CITAÇÃO DO TITULAR DE DOMINIO. RECURSO DESACOLHIDO. – Tendo sido citado o titular do domínio do imóvel, conforme constava na matrícula do imóvel, não há que se questionar de nulidade pela falta de citação de eventuais sucessores para a ação de usucapião, haja vista a inexistência de qualquer averbação no registro a respeito do falecimento daquele. Hipótese em que, ademais, foram citados editaliciamente, por cautela, eventuais sucessores, tendo sido nomeado curador especial membro do “parquet”, sem prejuízo da atuação de outro promotor de justiça como “custos legis”.

Defendemos o posicionamento firmado no acórdão cuja ementa acima foi reproduzida, de que o proprietário que tem o direito de ser citado ou notificado é aquele registral. Se não consta no registro a notícia do falecimento ou do inventário, não é necessária a citação ou notificação pessoal dos herdeiros. Ainda assim, é possível tentar, para demonstrar a boa-fé e o esforço para cientificação dos herdeiros, localizar pelo menos um deles, observando os arts. 1.314 e 1.791, do Código Civil.

Não sendo viável a localização de um dos herdeiros, ocorrerá a citação ou notificação editalícia, eventuais sucessores também serão chamados ao processo judicial ou ao procedimento extrajudicial de usucapião, que prosseguirá em face do proprietário registral e de seus herdeiros desconhecidos. Deve no edital constar de forma expressa que se procede à citação (no caso de processo judicial) ou à  notificação (no caso de procedimento extrajudicial) do proprietário registral “fulano de tal” e de seus herdeiros desconhecidos.

Vale pontuar, quanto ao chamamento do proprietário tabular por meio da publicação de edital, desde que haja no registro ou na matrícula ao menos o número do Cadastro de Pessoas Físicas- CPF, antes de se proceder a publicação de edital, deverá o requerente demonstrar, por meio da apresentação de consulta feita na Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados – CENSEC (criada pelo Provimento nº 18/CNJ), assim como as certidões judiciais, a inexistência de inventários e partilhas envolvendo o proprietário registral. Deverá, ainda, ser feita consulta na rede mundial de computadores, podendo ser utilizados sites de pesquisa, como o Google, dentre outras ferramentas disponíveis, para tentar localizar o endereço do proprietário registral.

Apesar da falta de clareza do Provimento nº 65/CNJ sobre as providências prévias à determinação da notificação por edital, entendemos que a demonstração do óbito do proprietário registral, somada à prova da inexistência de inventário, e ainda a demonstração cabal da posse exercida com ânimo de dono pelo usucapiente, exercida no período exigido em lei, é suficiente para justificar o uso do edital.

É plenamente possível, tanto na usucapião judicial quanto na extrajudicial que figurem no polo passivo o espólio do proprietário tabular e seus herdeiros desconhecidos, que serão citados ou notificados por edital, tendo em vista que o falecimento do proprietário registral implica no desaparecimento do sujeito de direitos e obrigações. Deve ser viabilizada a usucapião no caso de morte do proprietário registral, não havendo violação de direitos e nem da segurança jurídica no uso do edital.

CONCLUSÃO

É urgente apresentar caminhos para a solução, tanto na via judicial quanto na extrajudicial, da citação ou notificação do espólio e de eventuais herdeiros após o falecimento do titular registral. Com fundamento no princípio da concentração dos atos na matrícula e da obrigatoriedade do registro, defendemos a necessidade de os adquirentes de direitos reais registrarem os títulos aquisitivos na matrícula, pois quem não observar o dever de registrar arcará com o ônus da sua omissão, não obtendo os benefícios do registro, ou seja, a autenticidade, segurança jurídica e eficácia do registro imobiliário, oponível contra terceiros.

Uma solução foi encontrada pela Juíza titular da Vara de Registros Públicos de Belo Horizonte/MG para viabilizar as usucapiões nesses casos em que o titular registral é falecido e não consta na matrícula ou no registro notícia sobre os sucessores: não sendo localizado inventário em nome do titular registral, identificar e qualificar ao menos um herdeiro, observando a regra do art. 616 do CPC. Esse herdeiro será incluído no polo passivo, em substituição ao proprietário falecido, e será citado, na qualidade de Administrador Provisório dos bens do falecido, conforme determina o art. 614 do CPC, para contestá-la. Comprovada a impossibilidade de qualificação e/ou citação de um herdeiro, o feito prosseguirá em face do espólio do titular registral e de seus herdeiros desconhecidos, que deverão ser citados por edital. Seria essa mesma a solução quando, encontrado o inventário do titular registral, for verificado que o inventariante nomeado já faleceu.

A solução encontrada pela Juíza da VRP/BH viabiliza usucapiões sem prejudicar a segurança jurídica, pois a usucapião somente terá andamento se houver prova robusta da posse pelo tempo exigido em lei, razão pela qual não há risco de violação de direito desses herdeiros pela falta de sua citação pessoal.

Também no procedimento extrajudicial de usucapião, defendemos que seja localizado um herdeiro e que ele seja citado ou notificado, já que a situação dos co-herdeiros é de condomínio geral, nos termos dos arts. 1.314 e 1.791, do Código Civil. Não sendo possível localizar nenhum herdeiro, deverá ser utilizado o edital.

O art. 11 do Provimento 65 do CNJ autoriza que o Registrador promova a notificação por edital quando o notificando estiver em lugar incerto, não sabido ou inacessível. Apesar da falta de clareza do Provimento nº 65/CNJ sobre as providências prévias à determinação da notificação por edital, entendemos que a demonstração do óbito do proprietário registral, somada à prova da inexistência de inventário ou da sua existência, mas sem que a partilha mencione o imóvel usucapiendo, e ainda a demonstração cabal da posse exercida com ânimo de dono pelo usucapiente, exercida no período exigido em lei, é suficiente para justificar o uso do edital. O objetivo é viabilizar e dar efetividade à usucapião extrajudicial, não havendo violação de direitos e nem da segurança jurídica.

Portanto, a solução encontrada pela VRP-BH de encontrar e cientificar, sendo possível, ao menos um herdeiro e, não sendo possível, utilizar o edital, também pode ser utilizada na usucapião extrajudicial, após demonstração pelo requerente, pelos meios que possuir, da inviabilidade de localização de qualquer sucessor. É certo que não estão à disposição do tabelião ou do registrador o INFOSEG, INFOJUD e RENAJUD, o que poderia ser viabilizado pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Enquanto esses poderes não são concedidos ao Registrador, se ele verificar, com base nos acessos que ele próprio tem, que é inviável localizar os herdeiros, entendemos que estará demonstrada a necessidade de utilizar o edital.

[i]Ana Clara Amaral Arantes Boczar – graduada em Direito na Faculdade Milton Campos, pós-graduada em Direito Privado pela Universidade Cândido Mendes, pós-graduada em Direito Notarial e Registral  pela parceria do INDIC – Instituto Nacional de Direito e Cultura com o CEDIN – Centro de Direito e Negócios, mestranda em Direito Privado pela Universidade FUMEC. Coautora do livro “Usucapião Extrajudicial, questões notariais e tributárias”. Possui diversos artigos publicados sobre a área notarial e registral. Advogada, é membro da Comissão da OAB de Direito Notarial e Registral e atua na área cível nas esferas judicial e extrajudicial.

[ii]Carlos Rogério de Oliveira Londe – Registrador de Imóveis na Comarca de Senador Firmino – MG, ex-Tabelião de Protesto de Títulos nas comarcas de Bueno Brandão-MG e Itamarandiba-MG, Mestre em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos (FDMC), especialista em Direito Público e em Direito Tributário, professor de diversos cursos de pós graduação e preparatórios para concursos, autor e coautor de livros na área de Direito Notarial e Registral.

[iii]Daniela Bolivar Moreira Chagas – Assessora na Vara de Registros Públicos em Belo Horizonte-MG, Mestranda em Direito Privado pela Universidade FUMEC, Especialista em Direito Registral e Notarial pela Faculdade de Direito Milton Campos e em Direito Público pelo Centro Universitário Newton Paiva. Bacharel em Direito. Professora e Palestrante em Direito Registral e Notarial. Coautora de Livros e Artigos de Direito Notarial e Registral. Foi Vice-Presidente da Comissão de Direito Notarial e Registral e Membro da Comissão de Direito Imobiliário ambas da OAB/MG.

[iv]Letícia Franco Maculan Assumpção – Graduada em Direito pela UFMG, pós-graduada, mestre e doutoranda em Direito. Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. Professora do INDIC. Presidente do Colégio Registral de Minas Gerais e Diretora do CNB/MG e do RECIVIL. Autora dos livros “Notas e Registros”, “Casamento e Divórcio em Cartórios Extrajudiciais do Brasil” e Coautora do livro “Usucapião Extrajudicial, questões notariais e tributárias”.

[1] A posse pode ser até mesmo exercida de forma exclusiva por um dos herdeiros, o que gerará usucapião, conforme já abordamos anteriormente no artigo A posse exclusiva para fins de usucapião no caso de condomínio ou de herança. Disponível em: https://cnbmg.org.br/usucapiao-extrajudicial-a-posse-exclusiva-para-fins-de-usucapiao-no-caso-de-condominio-ou-de-heranca/. Acesso em: 10 set. 2022.

 

[2] PIRES, Maria Luiza de Andrade Rangel. Processo nº 5185631-90.2018.8.13.0024. Publicado em 10 ago. 2022.

[3] O inventário a ser localizado é apenas aquele do titular registral, não sendo necessário localizar inventários de herdeiros.

[4] O Provimento nº 65 do Conselho Nacional de Justiça regulamentou o procedimento da usucapião extrajudicial perante o Tabelionato de Notas e o Registro de Imóveis no âmbito nacional

[5] Data da publicação da Lei do Divórcio, que alterou o regime legal de bens para a comunhão parcial.

[6] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Freitas Bastos, 8ª ed. 1965, p. 178/179