Artigo – O PACTO PÓS-NUPCIAL: para, após autorização judicial, estabelecer o regime de bens que constará na transcrição de casamento celebrado na Inglaterra

Pacto Antenupcial

*Isabela Franco Maculan Assumpção
**Letícia Franco Maculan Assumpção
*** Paula Maria Tecles Lara

1- Introdução

O pacto antenupcial, ou contrato antenupcial, é um negócio jurídico bilateral de direito de família, destinado a estabelecer regime de bens, existindo a condição suspensiva da celebração do casamento, ou seja, somente será eficaz o pacto se o casamento vier a ser celebrado. No Brasil, é indispensável o pacto antenupcial quando os nubentes quiserem adotar o regime da comunhão universal, o da participação final nos aquestos, o da separação convencional ou ainda qualquer regime que não aqueles previstos no Código Civil, posto que a doutrina e a jurisprudência admitem a criação de outros regimes.

Conforme parágrafo único do art. 1640 do Código Civil, o pacto antenupcial deve obrigatoriamente ser feito por escritura pública, atribuição exclusiva do Notário, nos termos do art. 6º da Lei nº 8.935/94. O pacto antenupcial, portanto, não é novidade, mas o pacto pós-nupcial ainda é algo pouco conhecido no Brasil, não sendo mencionado em lei, apesar de a jurisprudência reconhecer a sua existência e autorizar a sua lavratura.

Se o casal que celebra matrimônio no exterior possuir bens ou expectativa de direito hereditário no Brasil, deve se atentar aos procedimentos para escolha do regime de bens, pois, na hipótese de transferência de titularidade de bens imóveis, tal como a venda ou doação de um bem imóvel ou na partilha de bens inventariados, o Código Civil exige a anuência do cônjuge, a depender do regime de bens adotado.
 2- O pacto pós-nupcial

O pacto pós-nupcial é um acordo entre os cônjuges com o fim de estabelecer o regime de bens no casamento já celebrado. No Brasil, tendo em vista a falta de previsão legislativa, o pacto pós-nupcial poderá ser lavrado após autorização judicial específica. É o que determinou o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recuso Especial – RESP 1300205: “o pacto pós-nupcial […] em nossa legislação, depende de aprovação do Poder Judiciário para que seja válido.”

A jurisprudência já reconheceu a possibilidade de lavratura do pacto pós-nupcial, sendo que o RESP acima mencionado examinou a sua utilização para fins de alteração do regime de bens. A doutrina defende a utilidade do pacto pós-nupcial também para outros fins, quais sejam: 1) para retificar registro de casamento civil, no procedimento previsto no art. 110 da Lei de Registros Públicos; 2) para ratificar um regime de bens escolhido quando de casamento celebrado no exterior.

No presente artigo, tratamos de um recente caso concreto que foi solucionado com a lavratura de pacto pós-nupcial: o estabelecimento de um regime de bens no Brasil para um casamento celebrado na Inglaterra, sem que lá tivesse sido lavrado pacto antenupcial.

3- Do exame de caso concreto em que foi autorizada a lavratura do pacto nupcial para estabelecer regime de bens
Uma brasileira casou-se com um Inglês na Inglaterra sem a lavratura de pacto antenupcial. O sistema jurídico Inglês não permite, no momento do casamento, a definição do regime de bens, embora reconheça e permita que sejam feitos pactos antenupciais. Por se basear no princípio da equidade, a aplicação do pacto ao caso concreto apenas ocorrerá se o tribunal reconhecer que as circunstâncias não se alteraram de tal forma a torná-lo injusto. A partilha dos bens somente será definida no final do relacionamento, ou seja, no divórcio ou na sucessão, pelo juiz, que examinará as circunstâncias envolvendo o caso concreto. Na Inglaterra, em se tratando de casamentos longos ou de famílias com crianças, raramente é possível argumentar que o pacto antenupcial deve ser aplicado, uma vez que as circunstâncias desde a sua lavratura provavelmente se alteraram. Porém, ele ainda pode servir como referência para o tribunal.

Assim, no caso concreto aqui examinado, o registro do casamento do casal e a respectiva certidão foram feitos sem constar o regime de bens adotado, visto que tal conceito não existe no país da celebração. O casal registrou o casamento no Consulado Geral do Brasil na Inglaterra e providenciou a transcrição do casamento no Brasil, mas nem no registro feito no Consulado, nem na transcrição foi esclarecido qual o regime de bens.

Os cônjuges enfrentaram problemas por essa omissão sobre o regime patrimonial aplicável ao casamento, pois a mulher herdou bens no Brasil e os cartórios de registro de imóveis estavam se recusando a registrar o imóvel em seu nome alegando que a ausência de regime de bens na certidão de casamento inviabilizaria o registro.

A primeira consideração é que não deveria haver esse obstáculo no cartório de registro de imóveis, já que, para herdar bens, não é relevante o regime de bens do casamento. Assim, entendemos que o Registrador de Imóveis estava equivocado em fazer a referida exigência. A segunda consideração é que não há dúvida de que a falta do regime de bens trará inúmeros problemas quando da inevitável extinção do casamento, seja pelo divórcio, seja pela morte, ou até quando da alienação desse bem a terceiros, razão pela qual é realmente relevante que seja identificado o regime de bens, principalmente diante da existência de patrimônio no território brasileiro.

De fato, no caso sob exame, se a esposa quiser vender o bem herdado, o cônjuge estrangeiro, a depender do regime de bens, deverá participar do ato, conforme prevê o art. 1.647, inciso I, do Código Civil, que ressalva a necessidade de outorga apenas se o regime adotado for o da “separação absoluta”, ou seja, a separação convencional de bens, que é aquele precedido de pacto antenupcial.

Em razão dos transtornos que vinha sofrendo, o casal procurou a advogada de sua confiança, que, por sua vez, procurou a tabeliã, apresentando o problema. A tabeliã, observando os princípios notariais da cautelaridade, da tecnicidade e da juridicidade, sugeriu a lavratura de pacto pós-nupcial.

Como para a lavratura do pacto pós-nupcial, até que haja previsão legal ou normativa específica no Brasil, a jurisprudência do STJ tem exigido decisão judicial autorizativa, a tabeliã solicitou a autorização para sua lavratura ao Juízo competente, que assim decidiu:
Considerando a inexistência de regime estabelecido no exterior e que, de fato, tal ausência tem repercussão no Brasil, sendo certo que não há outro meio de solução, se não pelo caminho aqui sugerido, que não afeta qualquer direito de terceiro, já que a opção do casal é pelo regime legal vigente no Brasil, AUTORIZO A CELEBRAÇÃO DO PACTO, PARA FAZER CONSTAR A ADOÇÃO DO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS.

Assim, foi lavrada a escritura de pacto pós-nupcial para a adoção do regime da comunhão parcial de bens, pacto esse levado ao Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais para a devida averbação do regime patrimonial do casal na certidão de casamento.

Importante mencionar que a lei Civil exige também o registro do pacto nupcial no cartório de registro de imóveis, para que possa surtir efeitos perante terceiros. Desse modo, para se definir em que Cartório de Registro de Imóveis o pacto será registrado, deve-se observar o domicílio do casal.

Ressalta-se, no entanto, que, para os fins da lei inglesa, os mesmos princípios aplicados ao pacto antenupcial se aplicam também ao pacto pós-nupcial. Portanto, se no futuro as partes entrarem em processo de divórcio na Inglaterra, o tribunal considerará as circunstâncias do caso concreto antes de aplicá-lo.
4 – Conclusão
Ainda sem previsão legislativa no Brasil, o pacto pós-nupcial é uma realidade. A doutrina e a jurisprudência já reconhecem sua relevância para a definição do regime de bens após autorização judicial, considerando a tendência da desjudicialização ou extrajudicialização. Também há a possibilidade de lavratura de pacto pós-nupcial para fins de correção de erro existente no registro civil, bem como para a ratificação de regime de bens escolhido quando de casamento celebrado no exterior,conforme já apresentado em artigos anteriores.
No presente artigo, foi demonstrado como o pacto pode ser utilizado para definir um regime de bens aplicável no Brasil na hipótese de casamento celebrado na Inglaterra sem a lavratura de pacto antenupcial.
A liberdade é um princípio fundamental no Direito de Família. O Poder Judiciário, os advogados e os notários e registradores devem atuar em conjunto para privilegiar a vontade e a liberdade das pessoas, garantindo também a segurança jurídica.

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SUGESTÃO DE PACTO PÓS-NUPCIAL
ESCRITURA PÚBLICA DE PACTO NUPCIAL QUE FAZEM xxx e xxxx, NA FORMA ABAIXO:
SAIBAM quantos este instrumento público de escritura virem que, em xxxx, nesta cidade de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, no Cartório xxx, xxxx, compareceram perante mim, tabeliã, as partes justas e contratadas a saber, como OUTORGANTES E RECIPROCAMENTE OUTORGADOS: xxxx e xxx (qualificação completa de ambos). As partes são capazes e se identificaram, conforme documentação apresentada, do que dou fé. Pelos Outorgantes me foi dito: 1- que contraíram núpcias anteriormente a este pacto nupcial, conforme certidão de casamento matrícula nº xxxxxx, em xxx, em xxxxx, casamento esse que foi transcrito no xxxx Registro Civil de xxx, Minas Gerais; 2- que não constou no referido assento de casamento o regime de bens; 3- que não havia sido lavrado pacto antenupcial anteriormente, conforme legislação da Grã-Bretanha; 4- que a vontade dos nubentes era e continua sendo que o regime de bens durante o casamento seja o da comunhão parcial de bens; 5- que, a Exma. Sra. Juíza da Vara de Registros Públicos xxxx, autorizou a lavratura do presente pacto nupcial, nos autos do processo nº xxxxxx, sendo a sentença a seguir reproduzida: “xxxxxxxx.” Assim convencionados, os comparecentes me pedem que lhes lavre a escritura, adotando para reger o seu casamento o REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS, previsto nos arts. 1.658 a 1.666 do Código Civil, o que faço em meu livro de notas e, atendendo ao disposto no artigo 167, II, 1, e no artigo 244 da Lei Federal nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, deverá a escritura ser registrada na serventia de registro imobiliário do domicílio conjugal, sem prejuízo de sua averbação obrigatória no lugar da situação dos imóveis de propriedade de cada um dos cônjuges ou dos que forem sendo isoladamente adquiridos, devendo ainda ser averbada no Livro E do xxxxx Registro Civil de xxxxxxxx. Ficam ressalvados eventuais erros, omissões ou direitos de terceiros. A pedido das partes e de acordo com a sentença da MM. Sentença da Juíza da Vara de Registros Públicos de xxxxxx, lavrei esta escritura nos termos e cláusulas em que se acha redigida, a qual, depois de lida e achada conforme, as partes outorgam, aceitam e assinam. Dispensada a presença de testemunhas, com fundamento no artigo 215, parágrafo 5º, do CCB. Ficam arquivados neste Cartório, os documentos necessários para lavratura da presente escritura, dentre eles os exigidos no Código de Normas de Minas Gerais.
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REFERÊNCIAS

ASSUMPÇÃO, Letícia Franco Maculan. O PACTO ANTENUPCIAL DE SEPARAÇÃO DE BENS QUANDO OS NUBENTES ESTÃO SUJEITOS À SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. Disponível em: https://arpen-sp.jusbrasil.com.br/noticias/118198353/artigo-o-pacto-antenupcial-de-separacao-de-bens-quando-os-nubentes-estao-sujeitos-a-separacao-obrigatoria-de-bens-por-leticia-maculan. Acesso em: 27 nov. 2021.

ASSUMPÇÃO, Letícia Franco Maculan e GRACIANO, Bernardo Freitas. O PACTO PÓS-NUPCIAL: na alteração de regime de bens após autorização judicial e na retificação de registro civil. Disponível em: http://www.notariado.org.br. Acesso em: 4 jan. 2022.

ASSUMPÇÃO, Letícia Franco Maculan. O PACTO PÓS-NUPCIAL: PARA RATIFICAR, APÓS AUTORIZAÇÃO JUDICIAL, REGIME DE BENS ESCOLHIDO QUANDO DE CASAMENTO CELEBRADO NO EXTERIOR. Disponível em: https://cnbmg.org.br/artigo-o-pacto-pos-nupcial-para-ratificar-apos-autorizacao-judicial-regime-de-bens-escolhido-quando-de-casamento-celebrado-no-exterior-por-leticia-franco-maculan/. Acesso em: 4 jan. 2022.

BRANDELLI, Leonardo. Contratos de Direito das Coisas III – ANOREG. Princípios da Função Notarial. Disponível em: www.anoreg.org.br. Acesso em: 12 jan. 2022.
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TRIBUNAL de Justiça do Estado de Minas Gerais. Provimento Conjunto nº 93/2020. Disponível em tjmg.jus.br. Acesso em 12 jan. 2022.

* Isabela Franco Maculan Assumpção é graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, mestre em Direito Internacional Público pela London School of Economics and Political Science, pós-graduada em Direito Inglês e mestranda em Prática Jurídica pela BPP University. Foi oficial substituta do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito do Barreiro e hoje atua como paralegal na área de Direito de Família no escritório Penningtons Manches Cooper em Londres.

** Letícia Franco Maculan Assumpção é graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1991), pós-graduada e mestre em Direito Público. Foi Procuradora do Município de Belo Horizonte e Procuradora da Fazenda Nacional. Aprovada em concurso, desde 1º de agosto de 2007 é Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. É autora de diversos artigos na área de Direito Tributário, Direito Administrativo, Direito Civil e Direito Notarial e Registral, publicados em revistas jurídicas, e dos livros Função Notarial e de Registro; Notas e Registros; Casamento e Divórcio em Cartórios Extrajudiciais do Brasil e Usucapião Extrajudicial. É Diretora do INDIC – INSTITUTO NACIONAL DE DIREITO E CULTURA, do RECIVIL e do CNB-MG, sendo também Presidente do Colégio do Registral de Minas Gerais.

*** Paula Maria Tecles Lara é graduada em Direito pela PUC/MG, pós-graduada e Mestre em Direito Privado. Foi professora na graduação e pós-graduação da UFMG (professora voluntária), PUC/MG, NEWTON PAIVA, FAMINAS E ESTÁCIO. Atualmente é advogada. E-mail: paulatecles@gmail.com.