Artigo – Distrato: mesmo com avanços, ainda falta aprimorar a lei – Por Antonio Ricardo Corrêa

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Apesar da relevância econômica do sistema imobiliário, optamos pela máxima: ruim com, pior sem

O distrato sempre foi assunto delicado tanto para o Poder Judiciário quanto para o Legislativo. Em tempo de crise e desemprego, como o enfrentado pelo país, julgar o destino das economias de uma vida ou a saúde financeira das empresas do setor de construção é fonte permanente de polêmica e insatisfação de ambas as partes.

Com a notícia da aprovação do PL 68/2018 – que pretende fixar direitos e deveres nos casos de rescisão de contratos de aquisição de imóveis em regime de incorporação imobiliária ou loteamento e o fato de estar o Legislativo disposto a aprovar medidas no apagar das luzes – é fundamental rever o que estava até aqui aprovado e as eventuais alterações.

No texto original, o prazo de tolerância para a entrega das chaves, sem ônus à incorporadora, é de até 180 dias. Após esse atraso, o comprador poderá desistir, receber 100% do valor pago, mais uma multa. Ou ainda poderá continuar com o contrato, recebendo uma multa nova no lugar da antiga.

Quando a desistência parte do comprador, passados sete dias da compra, ele perde 25% na incorporação tradicional e 50%, se houver o patrimônio de afetação. Caso o imóvel já tenha sido ocupado, o comprador vai ter que pagar também pelas despesas de uso. A devolução terá que ocorrer em um prazo de 180 dias após a desistência ou, se houver patrimônio de afetação, depois de 30 dias da concessão do Habite-se.

E com as novas medidas a situação fica mais clara e justa para as partes? Vejamos, então, quais as mais importantes emendas propostas e aprovadas:

– Equiparação das multas ao consumidor e às incorporadoras.

– Fixação da multa para o comprador em 10% do valor pago e não sobre o valor do contrato.

– Fixação da devolução em 90 dias após o distrato.

– O teto da perda do comprador passa a ser o valor total pago pelo imóvel.

Desde já podemos dizer que o projeto e as emendas mantêm o defeito original: admitir a quebra do contrato, ou seja, admitir a desistência sem qualquer motivo. Isso é uma aberração jurídica sem precedentes no mundo democrático, pois admitir quebras de contrato é um enorme desestímulo ao investimento.

Note-se que a posição não é impedir o distrato de quem sofreu abalo em suas condições econômicas, mas, sim, de proibir que as pessoas simplesmente deixem de cumprir suas obrigações.

Entendo que o projeto avançou bastante para desestimular essas quebras de contrato, mas ainda foi tímido ao não fazer a distinção entre distrato-necessidade e distrato-especulação. Além disso, estabelecer a obrigação de provar as dificuldades econômicas seria, de fato, uma medida eficaz para desestimular a prática.

É de se destacar a fixação de prazo para devolução dos prazos como um conceito capaz de evitar o prejuízo de todo o sistema, embora se saiba que, não sendo aceito amigavelmente o distrato, o fim das ações judiciais será muito depois dos prazos previstos na lei. O ideal seria não admitir o distrato sem motivo, mas, em se admitindo, as regras do projeto são razoáveis do ponto de vista econômico. Apesar da relevância econômica do sistema imobiliário, aqui acabamos optando pela máxima popular: “ruim com, pior sem”.

ANTONIO RICARDO CORRÊA – sócio do escritório Eduardo Biondi & Antonio Ricardo Correa Advogados. Presidente da Comissão de Exame de Ordem e também conselheiro da Ademi-RJ (Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário). Professor convidado da FGV nos cursos de MBA, pós-graduação e in company, nas matérias Litígios na Incorporação Imobiliária, Gestão de Contratos e Direito Imobiliário. Professor convidado do Ibmec nos cursos de MBA e pós-graduação na disciplina Estratégia das Decisões. E também professor da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, na matéria Incorporação Imobiliária.

Fonte: JOTA

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