Artigo – Em defesa da família – Por Regina Beatriz Tavares da Silva

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Há quem diga defender o progresso do Direito de Família o que, na realidade, é uma propaganda enganosa para encobrir a sua desmoralização e a desintegração das pessoas que compõem o núcleo familiar.

O cuidado com a família passa, necessariamente, pela ordem pública, motivo pelo qual o verdadeiro avanço do Direito que regula as relações familiares está atento às formas que viabilizam a integridade dos membros da família em suas relações.

Basta olhar para as medidas de combate à violência doméstica. Embora ocorra em âmbito privado, há nítido e fundado interesse público que esses casos sejam desestimulados e punidos, defendendo-se a integridade do vulnerável.

Outros acontecimentos no âmbito familiar suscitam, em maior ou menor medida, intervenções do Estado, sem que isso configure uma afronta à autonomia pessoal, mas, antes, uma salvaguarda da ordem social.

Em 2018 foram significativos os reais progressos no Direito de Família.

A começar pela decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que, em maio de 2018, ao julgar procedente o pedido de providências da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), determinou a proibição aos Tabelionatos de Notas de lavratura de escrituras de uniões poliafetivas como entidades familiares.

A decisão reconhece que nosso ordenamento jurídico tem a monogamia como base para a formação de entidades familiares, de modo que as relações a três ou mais pessoas não são relações de família.

Essa foi uma vitória para toda a sociedade, pois, além de sua insustentabilidade legal, a poligamia, ilusoriamente chamada de poliamor, gera efeitos nefastos para a integridade dos membros da família e, por conseguinte, para a sociedade, como, por exemplo, o aumento da desigualdade de gênero.

Lamentável, no entanto, a postura de alguns que insistem em disseminar o tal poliamor ou poligamia como algo fabuloso, como ocorreu em programa de televisão, que em 16 de outubro deste ano de 2018, portanto, após a decisão do CNJ, veiculou a celebração de união de casal que escolheu seus amantes “favoritos” para serem padrinhos, o que é poligamia também, realizada pela mesma Tabeliã de Notas do Rio de Janeiro responsável por uma das escrituras que deu ensejo ao pedido de providências da ADFAS ao CNJ.

Algo que deveria soar no mínimo bizarro, sendo cultuado e meticulosamente planejado de forma a ludibriar as pessoas de que é possível realizar união estável entre mais de duas pessoas, enquanto, na realidade, a decisão do CNJ, em conformidade com nossa legislação e Constituição, foi extremamente clara: nenhum cartório brasileiro pode realizar contrato de poligamia.

O CNJ afirmou: amantes não compõem uma relação familiar. A Tabeliã vai a um programa de televisão e celebra um documento de união estável entre duas pessoas em que os padrinhos declaradamente são os amantes dos signatários daquele documento.

Ora, a burla é evidente, a propaganda enganosa de que as relações poligâmicas podem ser cultuadas no Brasil é vergonhosa! E tudo sob as “bênçãos” de uma Tabeliã de Notas que deveria cumprir a ordem jurídica, em especial diante do princípio da fé pública que deveria nortear sua conduta.

Nesse ano também foram julgados os Embargos de Declaração nos Recursos Extraordinários n.º 646.721/RS e n.º 878.694/MG que buscavam aclarar em que termos o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou a equiparação da união estável ao casamento para efeitos sucessórios.

A ADFAS defendeu desde o início, atuando como amicus curiae, que o STF estaria exorbitando seus poderes ao ampliar o objeto do julgamento para além da aplicação do artigo 1.829 do Código Civil, que trata da ordem de vocação hereditária, sob pena de configurar decisão extra petita. Não poderia, portanto, atingir o artigo 1.845 do Código Civil que regula a herança necessária e determina a sua existência no casamento e não na união estável.

E mais uma vez a ADFAS foi vitoriosa em sua defesa pela família, pois, nesse ponto, o julgamento dos embargos foi no sentido de que “A repercussão geral reconhecida diz respeito apenas à aplicabilidade do art. 1.829 do Código Civil às uniões estáveis. Não há omissão a respeito da aplicabilidade de outros dispositivos a tais casos”.

Dessa forma, o companheiro não é herdeiro necessário, restando protegida a liberdade das pessoas na escolha de uma ou outra entidade familiar, podendo o companheiro ou a companheira celebrar testamento e atribuir a herança a quem bem entender, respeitando somente a herança necessária dos descendentes e ascendentes, que corresponde à metade do patrimônio de quem faz o testamento. Se não fosse o trabalho da ADFAS, possivelmente o companheiro e a companheira, numa relação de cerca de dois anos, passaria a ter a mesma herança necessária dos filhos do falecido.

Não se pode dizer o mesmo, entretanto, sobre a outra matéria questionada nesses mesmos embargos sobre a contraditória modulação de efeitos que foi fixada pelo STF, em que foi determinada a aplicação da decisão de mudança da ordem de vocação hereditária, quando não há testamento, a todos os inventários não findos, ou seja, às heranças de quem faleceu e estão em aberto antes da publicação daquela decisão. E, segundo o voto condutor do ministro Luís Roberto Barroso do STF, esse efeito retroativo da decisão teria a finalidade de preservar a segurança jurídica. Como foi suscitado em embargos, aplicar a decisão a todos os inventários não findos ao tempo de sua publicação com base na segurança jurídica é uma evidente contradição.

Essa retroação de efeitos da decisão do STF viola também o princípio da igualdade, uma vez que, diante de inventários abertos ao mesmo tempo, ou seja, de mortes de pessoas ocorridas na mesma época, nos inventários já transitados em julgado será obedecida a ordem de vocação hereditária anterior e os companheiros sobreviventes não figurarão em concorrência com os filhos do falecido, enquanto nos inventários que ainda não terminaram os companheiros sobrevivos concorrerão com os filhos do de cujus.

Diante desse panorama, observo quão significativos foram os avanços conquistados em 2018 no Direito de Família, em razão dos trabalhos da ADFAS, sem olvidar que há lutas que ainda continuam.

Mais valoroso será esse progresso, quanto maior for a colaboração de toda a sociedade, inclusive dos meios de comunicação.

*Regina Beatriz Tavares da Silva, presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Doutora em Direito pela USP e advogada

Fonte: Estadão

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